A linguagem espera o milagre de uma terceira pessoa
(que não seja o ausente das gramáticas árabes)
nem um personagem nem uma coisa nem um morto
Um verdadeiro sujeito que fale de si, com uma voz inumana,
daquilo que nem eu nem você podemos falar
bloqueados por nossos pronomes pessoais
Temos aqui um homem, apertando o gatilho contra a própria têmpora
Ele vê algo entre este gesto e sua morte
Ele o vê durante uma partícula elementar do tempo
tão curta que não fará parte dele
Se alguma coisa pudesse alargá-la sem temporalizá-la
uma droga (descubram-na!)
seria possível escutar os primeiros pálidos ecos
de uma inédita descrição daquilo que não é
[do livro Diário de muerte]
imagem: "Saturno devorando o filho", de Francisco de Goya, 1823