quinta-feira, 22 de março de 2018

Eco



"eco" é um díptico
e está exposto até 5/5/18
no centro hélio oiticica,
numa coletiva sobre poesia expandida
com uma turma incrível
& curadoria da Pollyana Quintella (mais dados aqui)

o trabalho que fiz é composto por um áudio (este acima)
e por um livro "apagado", "riscado", "censurado":
nele pulsam apenas as ocorrências da palavra "coração".

parti do coração da rosa batendo no ultrassom
para uma pesquisa sobre o coração na poesia brasileira.
dessa pesquisa, selecionei um livro
para apagar e expor:
abaixo algumas imagens do livro já "apagado"
(as duas primeiras da Jessica di Chiara,
tiradas lá mesmo na exposição)

e por fim lembro essa anedota do joão cabral
em um encontro com vinicius de moraes
em que cabral teria cobrado de vinícius
o excesso de coração na poesia e cancioneiro do colega:
"você não sabe cantar outra víscera?"

para quem disse que não falo de coração,
agora sou sentimental.









quarta-feira, 21 de março de 2018

A luva do tempo de Edward Hopper -- Anne Carson



Certo sou apenas a sombra de um passageiro neste planeta
mas minha alma gosta de usar roupas formais
apesar das manchas.
Ela entra.
Ela tira a luva.
Será que ela se vira.
Será que ela cruza as pernas.
Isso é uma pergunta.
Quem está falando.
Também uma pergunta.
Tudo que posso dizer é que
Não vejo evidências de outra luva.
As palavras não são uma frase, não acredite nisto.
Acredite naquilo.
Não é um tempo vazio, é o momento
em que as cortinas sopram dentro da sala.
Quando a lâmpada está pronta
Quando a luz bate na parede.
E a luva?
Agora ela levanta -- a vida que ela poderia ter vivido (par les soirs bleus d'été).
Acontece que
a pintura é imóvel.
Mas se você colocar o ouvido na tela vai ouvir
o som de ótimos pneus em movimento
Em algum lugar alguém viaja em sua direção
Viaja dia e noite
Bétulas sem folhas passam
Estradas vermelhas se vão.
Agora, fique com o seguinte:
a evidência.
Acontece que
uma luva de boa qualidade
mede 22 centímetros da costura até a ponta do dedo.
Esta era uma luva "atirada ao fundo"
(como disse Godard de seu Rei Lear).
Enquanto ouvia às filhas Lear
desejava ver seus corpos
estirados ao lado de suas vozes
como crianças brancas.
Pois no que o tempo se difere da eternidade senão no fato de podermos medi-lo?

sábado, 17 de março de 2018

Experiências – Bernadette Mayer




Escolha ao acaso uma palavra (um substantivo é fácil): deixe a cabeça pensar livremente até que surjam ideias. Em seguida, pegue algumas dessas ideias, observe-as e tome notas. Experimente usar uma palavra não conotativa, tal como “então”.

De forma sistemática, exclua alguns tipos de palavras ou frases de um texto seu ou de outra pessoa; por exemplo, exclua todos os adjetivos de um poema seu ou todas as palavras que comecem com S nos sonetos de Shakespeare. 

De forma sistemática, desorganize a língua: por exemplo, escreva um texto feito todo com locuções preposicionais ou acrescente um gerúndio a cada linha de um texto em prosa ou poema já existente etc.

Reescreva o texto de alguém. Pode ser de alguém que você admire.

Forme um conjunto de palavras (faça uma lista ou escolha um conjunto já pronto); a partir dessas palavras, e só com elas, faça um texto ou o que for possível fazer. Deixe que elas determinem sua própria forma e/ou: utilize certas palavras de maneira fixa, como: a mesma palavra em cada linha ou num lugar específico de cada parágrafo, etc. Desenhe palavras.

Nunca dê ouvidos aos poetas ou a outros escritores; nunca explique seu próprio trabalho (experiência de comunicação).

Crie situações de múltipla escolha ou de preenchimento de espaços em branco e brinque com as palavras como se fossem “objetos” vazios de sentido, talvez apenas um som ou um bloco de sentido, podendo significar qualquer coisa.

De forma sistemática, exclua os elementos de algum texto feito por você até reduzi-lo a uma versão “básica” ou leia-o ao contrário (linha por linha ou palavra por palavra). Leia um romance ao contrário.

Fazendo uso de expressões específicas de determinado assunto ou ideia, escreva sobre outro assunto (afaste-se aqui o máximo possível de metáforas e analogias); por exemplo, use termos científicos ou filosóficos para falar sobre a neve ou sobre o tédio.

Experimente roubar e plagiar de todas as formas possíveis.

Parta de uma ideia ou de um objeto, qualquer um que lhe interesse: depois passe alguns dias olhando e observando (tomando notas) o que lhe vem à cabeça sobre essa ideia ou objeto, ou tente criar uma situação ou um contexto em que tudo o que aconteça com eles tenha uma “relação”.

Faça um poema como se as palavras fossem objetos tridimensionais no espaço. Imprima as palavras em cartões caso necessário.

Corte, cole etc. (Justaponha os cut-ups em tiras na horizontal, misture tudo, faça infinitas combinações).

Escreva exatamente como você pensa, o mais perto que você puder, ou seja, coloque a caneta sobre o papel e não pare mais. 

Tente gravar um áudio, ou seja: falar diretamente no gravador sem texto, talvez em algumas horas específicas do dia.

Tome notas do que acontece em alguns dias ou horas (qualquer período que você determinar); em seguida, busque as relações, conexões, sincronias; faça algo a partir disso (por escrito).

Convide um ou dois amigos para escrever por você, fingindo ser você.

Utilize (escolha, escreva) uma forma fixa e/ou tente destruí-la; por exemplo, uma sextina.

Escolha ou escreva uma história, um mito, siga reescrevendo sem parar ou então deixe o texto de lado e, tentando lembrar do que escreveu, reescreva cinco ou dez vezes (de memória); veja o que acontece. Ou trabalhe a partir da proliferação contínua de uma frase ou de um verso, tirados de uma coluna ou lista, e repita a cada vez de maneira diferente até encontrar uma versão que funcione bem. Guarde todas as etapas do exercício.

Experiências de datilografar versus escrever com a mão tais como gravar/criar sistemas/modos. Faça aquela que você nunca costuma fazer.

Produza um tipo de repetição.

Escolha um trabalho seu já pronto e insira nele (ao acaso ou de propósito) um parágrafo tirado, por exemplo, de um livro sobre teoria da informação ou de um catálogo qualquer. A seguir, estude as possibilidades de refazer o trabalho ou reescrever a “fonte”.

Experimente escrever a cada dia usando um pronome pessoal diferente e em vários tempos verbais.

Explore as possibilidades de listas, palavras-cruzadas, charadas, dicionários, gramáticas de bom uso da língua.

Escreva o que não pode ser escrito. Por exemplo, escreva um índice (Leia um índice como um poema.)

Possibilidades de sinestesia em relação à língua e às palavras: a palavra e a letra como sensações, as cores evocadas pelas letras, as sensações produzidas pelo som de uma palavra separada de seu conteúdo etc. E o efeito deste fenômeno em você; por exemplo, escreva na água, num veículo em movimento.

Tente escrever num estado de espírito que pareça o menos propício.

Considere a palavra e a letra como formas – isto é, pensando na distorção concreta de um texto; por exemplo, usar muitos o’s ou fazer um arranjo visual agradável com letras finas (lllftiii, etc.) 

Considere (fazer) experiências a partir da memória (sensorial) relacionada à escrita: por exemplo, registre todas as imagens sensoriais que sobraram do café da manhã, estude quais sensações te comoveram, quais escaparam. 

Escreva a partir de uma projeção visual (mental ou mecânica) sem pensar na palavra em seu sentido corrente, sem artifícios. Escreva no cinema, etc.

Faça experiências de escrita por um longo período. Por exemplo, para um projeto específico, faça um planejamento de quantas palavras você vai escrever por dia ou então em que momento específico do dia (à tarde?) ou da semana você vai trabalhar ou se você vai trabalhar apenas nos feriados etc.

Escreva em um pedaço de papel que já tenha alguma coisa impressa ou escrita, por exemplo, em seu livro preferido de poesia ou prosa (sobre o texto impresso, no espaço em branco). 

Tente eliminar toda conotação de um texto e vice-versa. 

Experimente escrever em grupo, trabalho colaborativo: um grupo em que cada um escreva individualmente a partir do texto do outro durante um longo período (8 horas, digamos); um grupo colaborando com o mesmo trabalho, frase a frase, ou linha a linha; uma pessoa tem as “informações” enquanto a outra escreve; escrever e deixar instruções para outro escritor preencher o que você “não consegue” descrever; organizar um livro ou um texto estruturando sua própria linguagem em torno da escrita dos outros; um grupo trabalhando e escrevendo a partir do registro dos sonhos dos outros. 

Sempre use um dicionário, básico ou etimológico (de rimas etc.); consulte, experimente usar obras de referências em que as ocorrências da palavra “palavra” sejam: palavra como notícia, palavra como mensagem, palavra como informação, palavra como história, palavra como ordem ou comando, palavra como vocábulo, unidade do discurso, palavra como instrução, promessa, voto, contrato e daí por diante.

Trabalhe a partir de sonhos: anote os sonhos diariamente, experimente traduzir ou transcrever um pensamento de sonho, tente se aproximar do tempo e das incongruências próprias do sonho, trabalhe com o sonho até que um poema ou uma canção ou uma frase que seja útil surja daí, considere o sonho uma estratégia para resolver um problema (problema artístico ou outro), considere o sonho como uma forma de consciência (estado alterado), usando-o (escreva com ele) como uma forma “alerta” da atividade mental, transforme os personagens do sonho em personagens ficcionais e aceite a “linguagem” do sonho (palavras ditas ou ouvidas no sonho) como um presente. Faça uso delas.

Trabalhe com afinco para mudar a língua e para nunca ficar famoso.


                                
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a bernadette mayer nasceu em 1945
a bernadette mayer nasceu no brooklin
a bernadette mayer fez parte da escola de nova iorque
e do movimento l=a=n=g=u=a=g=e=p=o=e=t=r=y
este "experiências" foi escrito por ela e pelos participantes 
do projeto da oficina de escrita de poesia da igreja de st. mark. [1971-75] 
e pode ser lido no seguinte link
esta tradução foi publicada na revista Grampo Canoa #2 (abril 2016)
outros poemas de mayer neste blog

terça-feira, 13 de março de 2018

A poesia é uma forma de resistores? -- Marília Garcia



leitura do poema "a poesia é uma forma de resistores?" 
do livro Um teste de resistores (2014)
+ algumas imagens selecionadas e editadas do filme 
"Diário", de David Perlov

as imagens de perlov são do período em que ele vem ao brasil 
no início dos anos 1980