segunda-feira, 21 de julho de 2014

O terremoto enquanto ela dormia – Mary Jo Bang



Ela dormia durante um terremoto na Espanha.
No dia seguinte, tudo ficou cheio de coisas mortas. 
                                                                        [Bom, não cheio, mas com algumas coisas.
Diante da porta da frente, sentiu um estalo de carrapato

debaixo do pé. No banheiro, uma barata enorme deitada
com as patas pra cima na beira do mármore; a antena
morta anunciando o futuro, virada na direção do olho prateado

que depois iria tragar a água com a qual ela lavou o rosto.
Quem não gostaria de voltar rápido
para o sono da noite anterior? Sabia que tinha que seguir acordada

e enquanto caminhava pela névoa cinzenta do dia, enganava o vaporoso
encenando algo concreto: a fumaça do cigarro,
por exemplo, poderia se transformar em um edifício de Lego de 2 cm

visto da janela de um ônibus que bloqueava uma rua.
Às vezes, as pessoas pensam em si mesmas como uma foto que coincide
com um desejo inventado: uma floresta de brinquedo, um grilo mutilado, o mais

ou menos precioso lótus. Na noite antes do terremoto, tomou um trem
para ver uma ópera cômica com um enredo inverossímil. Reparou num homem
com casaco curtido e gravata que lembrava muito o Kafka.

No dia seguinte, ligou para um amigo para reclamar dos insetos.
De uma cidade distante – a voz baixa e em tom de lamento –, ele disse,
Você não está bem? Quer que eu faça alguma coisa?





mary jo bang nasceu em 1946, nos estados unidos.
este poema de mary jo bang será publicado no livro the last two seconds
ainda no prelo em inglês
mas já saiu (e foi onde eu li o poema e também onde li a mary jo pela primeira vez)
na linda antologia, essa aí da foto em cima, El clarooscuro del pinguino, traduzida para o espanhol por aníbal cristobo e patricio grinberg e publicada pelo aníbal cristobo na kriller71 edicciones.
minha tradução foi feita, ao mesmo tempo, do inglês que vem no rodapé dos poemas e da versão em espanhol. por ser o espanhol mais próximo do português e por eu ter lido essa versão antes do original, será que posso dizer que fiz uma espécie de cotradução? de todo modo, usei soluções da versão espanhola, então aqui está o crédito e agradecimento aos tradutores amigos. e aproveito o post para dar parabéns aos 2 anos da kriller71 ediciones e agradecer por essas maravilhas que ela vem fazendo...


domingo, 20 de julho de 2014

Encontro – Harold Pinter



Nas horas mortas da noite

Os que há muito estão mortos olham para
Os novos mortos
Que avançam até eles

Há um leve bater do coração
Quando os mortos abraçam
Os que há muito estão mortos
E os que entre os novos mortos
Para eles avançam

Choram e beijam-se
Quando voltam a encontrar-se
Pela primeira e última vez


Tradução de Pedro Marques, Jorge Silva Melo e Francisco Frazão
poema copiado do livro Guerra, da Quasi edições.