O que dizia o poema, esqueci Soube dizer o que dizia o poema, mas esqueci O poema dizia isso, mas isso que dizia o poema, esqueci Que o poema dissesse isso, era isso que dizia o poema? Se é isso que dizia o poema, esqueci Talvez, sem saber o que dizia o poema, enquanto eu dizia o poema, (no tempo em que eu dizia o poema), eu já tivesse esquecido mas se é isso que dizia o poma, esqueci Agora, quando digo esse poma, não sei se digo esse poema, já que o que dizia o poema, esqueci É por isso que o que dizia esse poema não é mais verdadeiramente o que dizia o poema E que esqueci
Tradução de Marcelo Jacques de Moraes
Jacques Roubaud nasceu em Rhône, em 1932. Jacques Roubaud é poeta e matemático e participa do OULIPO desde a sua criação, em 1960. Publicou diversos livros, dentre os quais: Quelque chose noir, Poésie, La forme d'une ville change plus vite, hélàs, que le coeur des mortels. Desde cedo, Jacques Roubaud foi tomado pela síndrome de "ice cube", segundo nos conta Inês Oseki-Deprê no posfácio à tradução que fez do Algo : preto: síndrome que consiste em não falar de si nem de seus sentimentos. Na foto ao lado, o poeta estava em uma soirée oulipienne, num dos muitos encontros feitos quando da celebração de 50 anos do grupo. Aliás, vê-se na foto um demi-Jacques-Roubaud, ao lado de seus companheiros oulipianos: pedaço de Roubaud por detrás de um terno preto, por detrás de uma estante de livros, por detrás das falas oulipianas, no momento em que alguém sussurrava seu nome e a linguagem se concretizava no espaço, em uma tarde de domingo na livraria Comptoir des mots.
quanto tempo vou ficar me fazendo de morto no jardim quanto tempo vou ficar me fazendo de morto no sótão ou então isso é o quarto eu já não sei bem se é o sótão ou se é o quarto vejo daqui o respiradouro ou será a janela eu já não sei se vejo bem pode ser que esteja vendo bem até demais se continuar assim verei ainda melhor e então poderei dizer se vou continuar me fazendo de morto será que devo continuar por muito tempo me fazendo de morto pelo menos até que eles cheguem e se continuo como morto assim será que eles virão aqui me ver virão ver se estou morto de verdade talvez eles venham aqui me ver e me desejar feliz aniversário hoje é seu aniversário você tem dez anos daqui a pouco vai fazer quinze anos que você tem 10 anos agora você tem que parar de se fazer de morto você vai sair do quarto e vai passear e vai brincar e vai para perto do canal e vai cair no canal e vai brincar com um amigo o amigo vai achar que você foi embora e esqueceu a bicicleta e ele vai trazer a bicicleta de volta e você estará no canal você estará mergulhado ali dentro querendo pegar os peixes e você não vai sair de lá você queria pegar os peixes e acabou caindo no canal e seu amiguinho voltou ele disse que não te encontrou e eles disseram que você ainda estava se fazendo de morto em algum lugar
Charles Pennequin nasceu em Cambrai, norte da França, em 1965. Charles Pennequin é um poeta francês. Charles Pennequin participa de muitas leituras e faz performances lendo seus poemas. Charles Pennequin publica seus textos desde 1995, em formatos diversos por editoras diferentes (P.O.L., al dante, Niok etc.), dentre os quais estão livros como La ville est un trou, 1jour, Bibine e Loupé, publicado este ano. Charles Pennequin escreve no blog http://charles_pennequin.20six.fr/ onde mostra textos inéditos e várias performances e leituras. Selecionei algumas capas de seus livros para produzir uma dimensão-visual da sua obra em papel:
Charles Pennequin escreveu um poema chamado "o morto". Traduzi este poema diretamente do áudio (pois não localizei o texto escrito) e isso reforçou a relação com o caráter sonoro da poesia de Pennequin. Sua leitura (já postada no blog da modo de usar) é bem característica: Pennequin costuma falar seus textos nesse ritmo: literalmente à bout de souffle.