quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Meu assassino – Alice Sant’Anna






hoje encontrei meu assassino.
dispersa, olhei para a plateia e ele estava lá

os olhos fixos em mim.

soube na mesma hora 

de quem se tratava 

tentei disfarçar a chuva 

que deixou a franja bagunçada 

na frente dos olhos mas o assassino

me olhava mas eu revidava

muito dura: era um jogo.

sabia que a qualquer respiração

se eu desconcentrasse ou tropeçasse 

ele não perdoaria nunca (isso já aconteceu antes).

lembro bem quando 

o meu assassino me atirou 

pela primeira vez 

a diferença é que agora sei 

como se chama sei o formato do maxilar

e como ele me olha com esses olhos

de assassino.

pensei em chamar a polícia, os jornais 

pensei sobretudo

em mudar de cidade

e não contar para ninguém, assim 

o meu assassino me procuraria

nos mesmos lugares de sempre

mas frustrado voltaria para casa

e me escreveria longas cartas

dizendo fique avisada, seus dias estão no fim.
contudo meu assassino jamais seria

capaz de me encontrar
e por isso as longas cartas

que ele levaria ao correio muito bem

dobradas em envelopes com cheiro

de canetinhas coloridas

as cartas não chegariam em parte alguma

pois não constaria o meu nome
 
em nenhuma página amarela

ou conta de luz.

meu assassino bateria na porta

da minha antiga casa

no que eu o convidaria para entrar

ofereceria um café e diria

que pena! que desencontro! que perda!

ela não mora mais aqui.




Alice Sant’Anna nasceu no Rio de Janeiro, em 1988. Publicou seu primeiro livro, Dobradura, em 2008, pela editora 7Letras (essa capinha acima). A primeira vez em que li um poema seu foi na miniedição artesanal que Alice fizera um ano antes (e que já tinha alguns poemas que comporiam o primeiro livro): chamava-se A dobra dura (essa capinha abaixo). Alice é editora-assistente da revista Serrote, do IMS. "Meu assassino" foi publicado na página Risco (Prosa e verso) e a foto que abre o post é de Mariano Marovatto.



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