De Bruxelas eu
esperava tudo, talveza reprise
do que ali já vivera,
uma noite ao lado
de Jey Crisfar,
chuva e cansaço,
conversas com taxistas
e árabes, mas não
este acordeonista
loiro de 20 anos
diante da Catedral,
sim, a de Bruxelas,
acordeonista loiro e imberbe,
alto e imundo,
a quem doei 2 euros
num excitativo segundo de tato
entre sua mão e meus dedos fechados
abrindo-se em bojo sobre sua palma,
após fazer com a visão
o rodízio contemplativo e luxurioso,
alternando o foco dos olhos
entre a catedral imberbe e loira
e o acordeonista alto e imundo,
a quem ensaiei, por 20 minutos
que mais pareceram seus 20 anos,
perguntar seu nome, quiçá filmá-lo
com a câmera que deixara
no Berlimbo,
ou imaginá-lo fotografado em série
por Adelaide Ivánova,
Heinz Peter Knes
ou qualquer fotógrafo
íntimo que me cedesse
os direitos autorais
desta imagem loira,
imunda,
para que eu de alguma forma
possuísse
este acordeonista imberbe e alto
em seus 20 anos,
a quem então batizo
em minhas glândulas
e passarei a chamar de Loïc
ou quem sabe Guillaume
pelo resto dos meus dias
após falhar em criar os colhões
de pedir seu nome,
e é assim, sr. Loïc ou Guillaume
aos 20 anos imundo e acordeonista,
que a você eu dedico
diante da alta e imberbe
Catedral de Bruxelas,
estes 2 euros
e uma ereção.
Ricardo Domeneck está nesse momento em um avião a caminho do Rio de Janeiro, vindo de Berlim, cidade onde vive há dez anos. Ricardo Domeneck nasceu em Bebedouro, em 1977 e publicou os livros Carta aos anfíbios (2005), a cadela sem Logos (2007), Sons: arranjo: garganta (2009) e Cigarros na cama (2011). Abaixo reproduzo um vídeo recente do poeta feito em Bruxelas: nele, Ricardo não está lendo "O acordeonista da Catedral de Bruxelas" e não está diante da dita catedral, mas fala seu poema "A quadrilha irritada" diante das gigantescas latas de lixo belgas.
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