A primeira formulação desta
pergunta – “A poesia pode, vai, deve desaparecer?” – tinha a vantagem de já
trazer a resposta dentro dela. Uma vez formulada a pergunta, conclui-se que ela
pode existir. Quem, hoje em dia, questionaria se a televisão, por exemplo,
pode, vai, deve desaparecer? Perguntar-se isso a respeito da poesia é dizer que
sim. Este “sim” pode, no melhor dos casos, vir acompanhado de uma entonação extra: infelizmente, enfim, com prazer, o quanto antes melhor etc.
A nova formulação da pergunta (“A
forma-poesia pode, vai, deve desaparecer?”) responde, na verdade, à afirmação
da primeira. Perguntar se a forma-poesia – forma diferente daquela da prosa –
pode, deve, vai desaparecer é dizer implicitamente: “certamente a poesia vai
desaparecer, mas e a forma-poesia deve desaparecer por esta razão?” Eu gosto
muito deste recuo. Eu gosto muito da sutileza (perversidade) da pergunta. A Action
Poétique, com o ar de quem não está dando os nomes aos bois, me surpreende
de modo deleitoso, pois:
1. Eu gosto muito da Action
Poétique
2. Eu gosto muito do Henri Deluy
3. Eu não posso simplesmente
representar para mim mesmo o que poderia ser uma forma-poesia (Evidentemente compreendi bem que a pergunta não diz respeito a “formas poéticas simples”).
A rigor, poderia imaginar uma
forma-prosa como uma linha. Um romance, um ensaio, um tratado etc. cabem, cada
um, em uma única linha. Uma linha mais ou menos longa dependendo do caso: Bartebly
menos longa do que Moby Dick. Para fazer caber uma linha de X
quilômetros em um livro, nós a dobramos, como dobramos um metro articulado para
que ele caiba num bolso. A maneira de dobrar a linha-prosa (sua justificação)
obedece geralmente (na maioria dos casos) a critérios exteriores ao texto, tais
como: o formato do livro, sua visibilidade etc., e não a critérios do
pensamento.
A “forma-poesia” seria então, ao
contrário, uma não-forma. Não a prosa dobrada, mas uma outra maneira de pensar.
A não ser que consideremos “forma-poesia” como um aspecto (Gestalt): quando
abrimos um livro de poesia, vemos imediatamente que:
1. não é prosa
2. então é poesia.
Um pouco breve, não? No entanto,
não podemos ir além disso. O que salva a pergunta é a evocação do futuro. A “forma-poesia”
vai desaparecer? Temos aí uma indicação de contexto (França, 1994).
Uma pergunta: a “forma-poesia”
não seria uma forma por falta de outra definição? Resposta: não, isso seria
muito simples! Outra pergunta: a forma-poesia seria a forma de uma outra
maneira de ver, pensar, mostrar? Nem sempre, mas de qualquer maneira, seu
projeto sim.
Quando W. observa que a filosofia
deveria ser escrita como uma composição poética, ele mostra implicitamente este
projeto: encontrar a ferramenta apropriada para operar relações (que não sejam
prosa discursiva) entre objetos da linguagem.
A “forma-poesia” não pode então
ser tomada como uma forma geral mas como a concretização de intenções
singulares.
Eu perguntei ao Alexandre Delay,
pintor, se a forma-poesia – forma diferente daquela da prosa – vai, pode, deve
desaparecer? E sua resposta:
Eu diria que sim. Por princípio.
Em seguida, me diria o seguinte: se queremos fazê-la desaparecer e se ela não
quiser desaparecer, ela reaparecerá sob uma outra forma, se houver alguma necessidade.
O que há de positivo na ideia da desaparição, é que ela vai engatar o processo
da ressurreição em outro lugar, sob outra forma. Isso significa que ela pode
nos ensinar alguma coisa que nós não somos talvez mais capazes de ver nesta forma,
diferente da prosa.
Destacar aqui a desaparição é uma
maneira interessante de entender a pergunta, pois deste modo um contexto é
reintroduzido. Sentimos claramente, hoje, que alguma coisa vai, pode, deve
desaparecer, mas não sabemos bem o que é. E não saberemos nunca se fizermos
deste fato um objeto do pensamento (poesia, ou “forma-poesia”, pouco importa).
Trata-se aqui de permitir, de propor, de manter aberto o projeto de outras
maneiras de pensar ou de ver ou de dar a ver. Vista deste ângulo, a forma-poesia
não terá mais nada a ver com a poesia (e nem com a prosa, aliás). A “forma-poesia”
será apenas uma denominação por falta de outra qualquer.
Mas como, de fato, nós não temos
outra à nossa disposição, podemos mantê-la, sabendo que nesta história negativa
não entra nem uma grama de poesia ou de forma poética, isto é, que se
representa sobre o ar (renovado) de uma desaparição.
E, no entanto, pode-se dizer,
ainda resta o verso. Bem, não! Há todas as chances de que o verso também não exista mais. O que continuamos chamando de verso atualmente, também é provavelmente
uma denominação por hábito. Dizemos verso apenas para dizer: isso não
é uma frase. É: outra coisa. O que chamamos verso hoje é: outra coisa. Mallarmé (Pour un tombeau d’Anatole), Faulkner (a turbulência em O som e a
fúria), Collobert (Il donc), O. Cadiot (L’art poetic’), B. Hollander (o Livre de qui
sont était – a sair na coleção Um escritório sobre o atlântico – isso aqui é uma
publicidade) etc. não são nem prosa nem verso; são: outra coisa.
Então, eu disse a Henri Deluy: “Certo,
vamos chamá-la de ‘forma-poesia’, esperando que ela não desapareça
rápido demais, porque nós ainda precisamos dela para escrever nossas autobiografias
de ninguém”.
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[Publicado em 1994, este texto foi uma resposta à
enquete feita pela revista Action Poétique, que levantava essa pergunta aos seus colaboradores: "A forma-poesia vai, pode, deve desaparecer?". Dentre outras colaborações, há também esta aqui, de Leslie Kaplan.]
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