Onde teria sido, na Strand? Notícias Em exposição, fotografias. Não sei por quê, me chamou a atenção. Uma foto da mais recente leva De bolsistas da Fulbright. Prestes a vir -- Ou recém-chegados. Ao menos alguns. Você era um deles? Examinei a foto, Não muito a fundo, me perguntando quais Eu talvez viesse a conhecer. Lembro de ter pensado nisso. Não lembro Seu rosto. É claro que olhei mais Para as moças. Reparei talvez em você. Quem sabe a avaliei, e achei pouco provável. Vi seus cabelos longos, ondas soltas -- A franja à Veronica Lake. Não o que ela escondia. Loura, eu teria pensado. E o seu sorriso. Seu sorriso americano exagerado Para as câmeras, os juízes, os estranhos, os atemorizadores. Depois esqueci. Mas me lembro Da foto: os bolsistas da Fulbright. Com bagagem e tudo? Pouco provável. Teriam vindo todos juntos? Eu estava caminhando, Pés cansados, sol forte, calçadas quentes. Foi então que comprei um pêssego? É o que lembro. Num quiosque junto à estação de Charing Cross. O primeiro pêssego fresco que jamais comi. Tão gostoso que mal acreditei. Aos vinte e cinco anos, mais uma vez surpreendi-me De ver que ignorava as coisas mais simples. Tradução de Paulo Henriques Britto neste livrinho da Record Cartas de aniversário
Osnabrück, 27 de novembro de 1993. @1 @1.1 Na minha família, o telefone não penetrou antes de 1945. Eu tinha doze anos. Era um aparelho grande e assustador, uma espécie de divindade, sem dúvida hostil. Meu pai não queria responder ao seu chamado, muito menos servir-se dele. A minha mãe cabia a tarefa de exorcizá-lo. Mas ela mesma não deve ter conseguido dominá-lo realmente. Com efeito, tendo-se passado vários anos, tínhamos deixado Carcassone, onde vivêramos durante toda a guerra (lembro-vos que houve uma guerra entre 1939 e 1945), e tínhamos vindo viver em Paris e um dia minha mãe recebeu um telefonema de uma velha amiga de lá, de antes. Elas falaram por um momento, deram notícias das famílias, das crianças, e, no momento de se deixarem, minha mãe disse: "Não vamos mais ficar tanto tempo sem nos falar. Toma o meu número de telefone." "É, você tem razão, me dá o número", começou a dizer a amiga. Neste momento, as duas começaram a rir. @1.2 Quanto a mim, não avancei muito no domínio deste instrumento. Quando recebi uma chamada de Hamburgo me perguntando o título de minha intervenção de hoje, tive um momento de pânico. Pensando na inacreditável distância percorrida pela voz que chegava dessa maneira inverossímil à minha orelha, respondi bruscamente, com uma hesitação interrogativa na voz e na orelha: "uma poesia nacional?". E foi assim que me veio esse título e numa espécie de alemão que creio totalmente adequado e que adoto, consequentemente, pronunciando-o à minha maneira de quase analfabeto em assuntos germânicos: "Eine nationale Poesie?" @1.3 Procederei da seguinte maneira. Num primeiro momento questionarei a ideia de nação. Num segundo momento me perguntarei o que a poesia pode ter a ver com a nação. Permanecerei mais ou menos no modo interrogativo, não tendo muitas respostas a oferecer, o que não me impedirá de expressar-me de maneira peremptória, como todo mundo. @ 2 @2.1 Já faz alguns anos, a França, querendo mostrar que não guardava rancor da Alemanha por certos mal entendidos ocorridos em sua recente história comum, resolveu tomar-lhe emprestado a concepção de um movimento político de tendências fascistas, cujo nome é Frente Nacional e cujo chefe (era preciso ter um chefe) se chama Le Pen. @2.2 Uma das ideias da Frente Nacional é: "A França aos franceses!", ou ainda "Fiquemos entre nós e as vacas estarão bem guardadas." Há estrangeiros demais na França, dizem, eles nos invadem, como outrora o fizeram os árabes vencidos por Charles Martel (um membro de honra da Frente Nacional) em Poitiers, em 732. Eles comem nosso pão, arruinam nossa segurança e nossa seguridade social. Em suma, "Eles vêm em nossos braços / estrangular nossos filhos e nossos companheiros". Bem, pelo menos simbolicamente. @2.3 Então é preciso se livrar dos estrangeiros. @2.4 Mas aí encontramos um problema. Se enviamos os estrangeiros de volta a seus lares, isso significa que, de modo claro e indiscutível, sabemos distingui-los dos franceses, que devem ficar em seu país. O que é um francês? @2.5 Debruçando-se sobre a questão, a Frente Nacional, pela voz de seu chefe (é preciso um chefe que fale em nome de todos) propôs uma definição do francês. @2.6 Definição de Le Pen: É francês aquele ou aquela cujo pai e cuja mãe são franceses. @2.7 Entusiasmado por esta definição, compus o seguinte poema, já traduzido para várias línguas, digo com orgulho (isso não ocorre com tanta frequência), incluindo o alemão. @2.8 Atenção: o poema deve ser dito bem rápido! @ 2.9 Poema: Le Pen é francês? Se Le Pen fosse francês, segundo a definição de Le Pen, isso quereria dizer que, segundo a definição de Le Pen, a mãe de Le Pen e o pai de Le Pen teriam sido eles mesmos franceses segundo a definição de Le Pen, o que significaria que, segundo a definição de Le Pen, a mãe da mãe de Le Pen, assim como o pai da mãe de Le Pen, assim como a mãe do pai de Le Pen, sem esquecer o pai do pai de Le Pen teriam sido, segundo a definição de Le Pen, franceses, e consequentemente a mãe da mãe da mãe de Le Pen, assim como a mãe do pai da mãe de Le Pen, assim como a mãe da mãe do pai de Le Pen, e a mãe do pai do pai de Le Pen teriam sido francesas segundo a definição de Le Pen, e da mesma maneira e pela mesma razão o pai da mãe da mãe de Le Pen, assim como o pai do pai da mãe de Le Pen, assim como o pai da mãe do pai de Le Pen, e o pai do pai do pai de Le Pen teriam sido franceses sempre segundo a mesma definição, a de Le Pen donde se concluirá sem problema e sem a ajuda de Le Pen ao se seguir o raciocínio ou que existe uma infinidade de franceses que nasceram franceses segundo a definição de Le Pen, viveram e morreram franceses segundo a definição de Le Pen depois da aurora do começo dos tempos ou que Le Pen não é francês segundo a definição de Le Pen. Jacques Roubaud, provençal @2.10 Tive que assinar provençal, não sendo eu francês, mas mais ou menos provençal, em todo caso o sou se remontar algumas gerações. (eu incluiria de bom grado o troubadourRubaut entre os meus ancestrais, mas não consegui ainda determinar todos os elos perdidos de minha genealogia). @2.11 A segunda alternativa, qual seja, que Le Pen não é francês segundo a sua própria definição, recebeu recentemente uma confirmação brilhante. Quando estive em Nova York para uma leitura no Poetry Project de St. Mark's Place e li meu poema, alguém no final me trouxe uma caneta de marca Le Pen. Ao examiná-la vi que ela era "made in Japan". Quod erat demonstrandum. Tradução de Monique Balbuena publicado na revista Inimigo rumor 7
em 2008, o aníbal já estava morando em barcelona em 2008, o aníbal tinha um diário online em 2008, o aníbal escreveu 366 posts neste diário o diário se chamava kriller 2008, yo debería estar haciendo otra cosa http://cristobo.livejournal.com/ um dia, em 2008, o aníbal cristobo me pediu para ocupar seu diário esse dia foi o último dia do cinema estação paissandu neste dia ocupei seu diário levando o aníbal para um açaí virtual
O Frank O’Hara estava aberto em cima da mesa mas fui direto para a agenda telefônica. Nick tinha saído, Joey tinha um compromisso, Jim já estava mesmo preparando um café, por que eu não
dava um pulo lá? A Astrud Gilberto cantava “Bim Bom” no meu walkman da Sony e o sol começava a secar a ardósia úmida nos telhados. Entrei sem tocar a campainha
e ele ainda não tinha se trocado nem se barbeado quando completamos a xícara de café com o Scotch do seu velho (eram só dez e meia da manhã mas e daí?) e saímos para a varanda com o jornal.
Os Talking Heads tocavam no rádio. Eu ia começar a falar de futebol quando ele disse: “Olha, será que você me ajuda a esvaziar o armário dela?” Eu disse: “Claro, Jim, estou do seu lado.”
O vídeo acima, com a linda leitura do Aníbal Cristobo, e o texto a seguir foram feitos em 2009 para o blog da modo de usar & co. Em maio de 2014, será publicado o livro novo do Aníbal, o Minha vida como bactéria, e ele virá ao Rio para o lançamento. Reproduzo o texto abaixo exatamente como saiu no blog da modo; gostaria apenas de acrescentar o link para a Kriller71 edicciones, editora criada pelo poeta em 2013 dedicada à edição de poesia e que já conta com um catálogo de traduções de pesos pesados: http://kriller71ediciones.com/inicio/ aqui a capinha do minha vida como bactéria (no prelo!)
Aníbal Cristobo nasceu em Buenos Aires, em 1971. Aníbal Cristobo viveu durante 5 anos no Rio de Janeiro, onde publicou seu primeiro livro, Teste da Iguana (1997), pela editora 7Letras, ao qual se seguiram jet-lag (2002), krill (2004) e Miniaturas Kinéticas (2005). Aníbal faz parte do conselho da revista Inimigo Rumor, verteu para o português diversos poetas hispano-americanos, como Antonio Cisneros e Gonzalo Rojas, edita a coleção argentina de poesia "bike-bike" e, em 2007, criou o siteEscolhas afectivas, versão brasileira do modelo argentino Afinidades electivas, que reúne atualmente mais de uma centena de escritores. No blog kriller 71, podemos ler quase toda sua produção e também suas mais recentes traduções. Em 2002, Aníbal se instala em Barcelona, onde reside atualmente. Sua passagem pelo Brasil deixará muitas pegadas, marcas e rastros, e me lembro agora da iguana deixando seu passo na areia, figura que aparece em seu primeiro livro, mescla de velocidade e forma, mancha de luz:
Teste da Iguana
Animal: figura da velocidade e da forma – mancha de luz – que cruzou o caminho: o passo da iguana e seu selo na areia: repouso, repetição do corpo
e o impregnado: a pegada como livro de paixões e de assombro; e espelho: desdobrando tua voz, igualando-a com teu próprio desejo como em algo como num exercício metonímico:
“o passo da iguana e seu sistema de indeterminação: forma
ou velocidade?”
Iguana: teus olhos frios na pedra laranja, rapidíssimos, como final de toon.-
Este final inesperado de cartoon acompanhará muitos de seus poemas e é uma espécie de fuga da fixidez: é forma ou movimento? Este final de toon é um pouco também como sua partida do Brasil. O que era mesmo que ele dizia naquela tarde em que nos conhecemos? Já não lembrava bem, havia uma indeterminação na imagem, mas uma manhã ele escreveu para contar que sonhou que estava no Brasil e ficava angustiado porque tinha muitas coisas para fazer no que chamava agora de sua casa e não se lembrava de ter planejado uma viagem assim tão longa.
Então me perguntava: “isso aqui é um sonho, verdade?”. Respondia que aquilo era um sonho sim, “mas que ele vinha sonhando com isso havia muito tempo já.” Tenta ligar o walkie-talkie ou algo com fio que possa fornecer as informações mais recentes no aberto de um deserto, na curva de um espaço: estabelecer de que lado está quem, o que é real e o que é sonho, quem ou o que estão dizendo esses, aqueles poemas. E quais formas eles devem ter: um disco na névoa, um puzzle de montanhas chinesas ou a capacidade de reter um pixel da imigrante húngara passeando por Nova Iorque, saída de um filme de Jim Jarmusch:
Eszter
Um pixel da tua pele – Uma peça da rarefação, a coleção do sonho, como um crawl na neve eras o pardal no poste, sacudindo-se apenas
e em Manhattan, tomando um chá: como aquela garotinha de Hopper
também você um chapéu. Mas você: uns óculos, um impala ‘68, uma música.-
A história do sonho contada naquele dia poderia ser um poema em que um assobio seca os pássaros no ar ou um poema sobre a personagem sentada na varanda escura olhando para as luzes da cidade depois de ter ido embora. Talvez seja um jogo de deslocar-se constantemente de formas o que fazem seus textos, de mudar de lugar para contar essas histórias de outra maneira, talvez este seu teste da iguana: figura de velocidade e forma, em perpétuo desmontar-se e que deveria, constantemente, estar fazendo alguma outra coisa.
Ao contar sobre a “infância do seu procedimento”, Aníbal diz que tenta sempre usar uma caneta ou algo que não faça muita pressão sobre o papel, para não deixar, como nos filmes policiais, a mensagem marcar a folha por debaixo e ser descoberta depois. No livro krill (2004), reconhecemos esse mundo em que se tenta não marcar muito o papel, um mundo sempre escapando mas que volta de uma outra maneira com a presença da série. E neste livro podemos pensar em série tanto no sentido de variações, como os belíssimos poemas da série “Filhas do capinzal”, se multiplicando e vestindo diferentes máscaras ao longo do livro: versão mangá, versão western ou versão galáctica, por exemplo, mas também podemos pensar em série de seriado, filme policial, em que sem perceber vamos colecionando as diversas pistas, como os exploradores espalhados pelo seu livro: às 3 a.m., a garota indiana em Denver, os 19 suspeitos ou esses cabelos que poderiam entregar a filha do capinzal:
Filha do capinzal (uma canção)
A que arranhou o disco da névoa enquanto todos dormiam em suas roupas risíveis, era eu.
A que teve um sonho nas gengivas até que as frutas apagaram suas lembranças e gravaram seqüências, na noite do paladar – era eu.
Que a lua não venha, agora que peço. Que os macacos caminhem de mãos dadas, em santidade.
Por seus relâmpagos os reconhecerás. Verás o que o encantador não diz. A que esculpiu seus heróis nas unhas, a que curou as pedras, era eu.
E a que viu o koala, mantendo relações com sua mulher, e o trevo de saturno, com suas dez folhas bruxas, era eu. Que a peste carregue este caderno. Que os exploradores não encontrem meus cabelos.-
Reproduzo aqui outro poema da série "Filha do capinzal", agora a versão japonesa:
Filha do capinzal (mangá version)
Isto parece o quarto da garota, com tantos cyber posters, a limonada e a mochila em cima de uma cama. Que olhos são aqueles, estes, admirados e abertos como uma cerejeira em flor?
Deitada aqui escuto o ploc das botas no convés, o som das baleias azuis neste mar congelado.
Tudo tão quieto como um teatro nô. E no pesqueiro lembro teus beijos japoneses, teu andar iluminado por uma chuva fina, teu dizer digital.-
Falando em variações, krill explora a ideia de série de maneiras diversas e apresenta também algumas “versões” para poemas de outros autores, como se fossem covers de músicas. Há, por exemplo, uma versão do poema “O urso”, de Ted Hughes, ou então de “Distancias incomensuráveis”, da Lu Menezes:
Distâncias incomensuráveis
Um espelho cai e bate se quebra contra estrelas se desfazem na noite imaginária de um céu do pensamento. Muito e pouco
distam das estrelas e luas de strass que sobre a mesa de um camelô o sol faz brilhar: “a BBC
sonhava com tudo o que eu – mas eu só comigo sonhava!”gritou Souza, pela oniaudiente megafone instalado em sua mente. Pela TV se vê que para atrair os índios, um espelho foi deixado brilhando no matagal.
Mas quem afasta verdes feixes de elétrons, e penetra no vibrante espaço do capinzal – distante e infinito – sou eu. Eu:
trânsfugo índio que acha a trânsfuga estrela no chão.-
Do livro krill, seguem mais dois belíssimos poemas, gravados no vídeo acima, “Céu do siamês” e “Ema”:
Céu do siamês
Oculto entre os cobertores, falo com o siamês; “siamês, vamos para o Novo México, quero ver a ruína da ferrugem ao sol, e o deserto de dias, um cacto”. Cada um de nós
leva o roçar de suas pedras na mão, compara o método de seu rosto na ilha do medo. Eu
sou assim, e também posso ser como você, fracassar ao morder uma pêra, ou um biscoitinho qualquer. Siamês, me leva para longe, diz em
meu ouvido a tua posição neste céu branco do navio; e do falar, diz cada repetição de tuas palavras, aonde te conduzem.-
Cielo del siamésEscondido en las mantas, hablo / con el siamés; “siamés, vamos a Nuevo / México, quiero ver cómo se arruina / el óxido en el sol, y el / desierto de días, un / cactus”. Cada uno de nosotros // lleva el rozar de sus piedras / en la mano, compara / el método de sus mejillas en la isla del miedo. Yo // soy así, y también / puedo ser como vos, fracasar / al morder una // pera, o cualquier / galletita. Siamés, llevame lejos, contame // en el oído cuál es tu posición / en este cielo blanco / del navío; y del hablar, decime / cada repetición de / tus palabras, adónde te / conducen.-
Ema
Chega a ema – cansada de transmitir seu acorde – e sussurra em teu ouvido:
– basta de peso físico, diz – pastar, diz
Mas a ema é a bomba de tempo! É o ladrão! Te descobre sentado entre as rochas:
– vamos para o aberto, diz – a curva do espaço, diz
Se há um diamante, é o da persuasão e distração – como um ilusionista: “o segredo é a viagem”; sonha que te hipnotiza; mas também:
– “Eu não sou a ema! A ema é invisível; e não é verdade que olhe o céu, aguardando instruções.”-
ÑandúLlega el ñandú – cansado / de transmitir su acorde – y susurra / en tu oído: // – basta de peso físico, dice / – a pastar, dice // Pero el ñandú es la bomba / de tiempo! Es el ladrón! Te descubre / sentado entre las rocas: // – vamos hacia lo abierto, dice / – la curva del espacio, dice // Si hay un diamante, es / el de la persuasión y distracción – como un / ilusionista: “el secreto es el viaje”, sueña / que te hipnotiza; pero también: // –“Yo no soy el ñandú! El ñandú / es invisible, y no es cierto / que mire al cielo, esperando instrucciones”.-
E, por último, reproduzo o poema (ainda inédito em português) de seu projeto em andamento "Brazilian Grooves", composto de textos dedicados a amigos brasileiros:
Pane para um Monge Acrobata à memória do Leo
Mas quem é que manda você sair sem lembrar do chapéu, nem
da melodia que vinha assobiando, com os sapatos cheios de sabão, pisando na corda
bamba, com seu sorriso triste, logo quando cortam a luz? Quem manda embaixo desse céu inundado de peixes, com a tormenta elétrica distorcendo as palavras, a comunicação da torre de controle, a batida do samba? Há um segundo
em que tudo pára, se interrompem as notícias das Syferts do fundo do universo, a mastigação das zebras da savana, a corrida do jockey de camisa laranja; e ainda outro segundo onde a movimentação é retomada
exatamente no sentido inverso: escutamos a voz da mulher dizer
“…mmmaf… sssequências cervicais do acrobata… mmmhuem… “
e
“…shhhhnnai? cervicais de um ouriço , Om?”, enquanto os anéis de fumaça do seu cigarro
voltam aos seus pulmões. Desta vez o efeito vai nos jogar longe daqui, Leo, na paisagem tropical do rótulo
de uma garrafa de rum bem na hora em que alguém se serve de um copo, deixando os coqueiros de cabeça para baixo; ou, com o macacão sujo por concertar a nave, no meio do estádio de Wembley, verde fosforescente na Playstation em que duas crianças
brincam de brigar pelo chute do Messi na hora dos pênaltis: o que vamos fazer ali no meio, Leo? A verdade é que assim
vou acabar podendo ouvir cada vez menos músicas, ler menos criticas, ter menos medo de escutar tua risada quando eu falo bobagens. Aí seguimos, mais
ou menos os dois, aproximadamente eu e você, o que quer que isso seja, contra o fundo instável do poema.-
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Gravamos o vídeo que abre esta postagem em uma tarde de abril de 2009 em Barcelona, na Carrer de casp, depois de um almoço com a Mônica. Quando enviei o link do vídeo, Aníbal respondeu: “é estranho me ver sem você do outro lado da tela.”