em
janeiro de 2015
acordei
um dia com os olhos inchados
as
pálpebras vermelhas e irritadas
fui na
dermatologista que pareceu um pouco espantada
e disse
que eu estava com uma reação alérgica
que tinha
provocado uma descamação importante
era muito
difícil descobrir a causa
podiam
ser os pelos das gatas que se acumularam
na casa
durante os 10 dias que passei na praia
podia ser
o calor que fazia em são paulo
podia ser
o gás lacrimogêneo que inalei
quando
tentei chegar ao protesto do mpl
na
avenida paulista
podia ser
algum cosmético mesmo os que você sempre usou
disse ela
e também podia ser emocional
em
janeiro de 2015 a dermatologista
doutora
virgínia
receitou
um creme com corticoides
para as
minhas pálpebras
aos meus
olhos eu estava muito feia
e muito
perto do fracasso
em
janeiro de 2015
quando
retomei a leitura de um teste de
resistores
percebi
como para alguns poetas o diálogo é importante
não um
diálogo velado ou imaginado
não a
simples apropriação de versos de outros poetas
mas um
diálogo verdadeiro
uma troca
de perguntas e impressões
uma troca
de reflexões sobre os textos
que
acabam sendo incorporadas a novos textos
de forma
mais ou menos explícita
no caso
do livro da marília
isso é
bem explícito
em
janeiro de 2015 eu percebi como estava sozinha
e alheia
a esses diálogos
que
existiam só na minha cabeça
e quis
pensar/escrever como a marília
justapor
ideias aparentemente estranhas
para
formular questões afins
em
janeiro de 2015 eu voltei a caminhar
e as
caminhadas nunca duravam muito tempo
no máximo
trinta minutos
porque
fazia muito calor em são
paulo.
depois de
uma caminhada eu pedi o computador emprestado
ao meu
irmão para começar a escrever este poema
que talvez seja um exercício de
simetria
de imitação
um jeito
de dizer
je suis quelq’un
je suis julia
je suis
marilia
alguns dos poemas de um teste de resitores
são como contos
são como crônicas
são como ensaios
não só porque contam
histórias
mas porque têm um ritmo de
caminhada
uma caminhada hesitante
uma caminhada de alguém que para
e se pergunta
os poemas de um teste de resistores estão
cheios de perguntas
os poemas de um teste de resitores têm
uma clareza importante
uma clareza de quem sabe qual
é
a pergunta qual é
o assunto
a minha amiga jasmin
não me lembro se em 2007 ou
2008
ou 2009 recortou letras
grandes de papel craft
e colou no alto da parede da
sala
a frase qual é o assunto?
sempre que eu ia à casa da
jasmin
e lia aquela frase
ficava bastante intrigada
eu não sabia se ela tinha
colado aquela frase
no alto da parede da sala
para falar da falta de
sentido
para falar da falta de
clareza ou
para falar do tédio
acho que conversamos sobre
isso
acho que nem ela sabia a
resposta
afinal a frase fala
justamente de uma
indeterminação.
quando eu digo que o livro da
marília garcia
tem uma clareza importante
fico pensando nessa palavra
importante
quando a doutora virgínia
usou a palavra importante
para descrever a descamação
da minha pele
esse importante quer dizer
notável
esse importante quer dizer
algo que não pode ser ignorado
mas quando eu digo que o
livro da marília garcia
tem uma clareza importante
esse importante quer dizer
não só algo que importa
esse importante quer dizer
alguma coisa que se quer ter
ter clareza é se deixar
atravessar?
[o vidro tem uma clareza
ambígua
porque podemos e não podemos
atravessar o vidro]
é preciso ter clareza para
escrever
ou a clareza acontece no ato
da escrita?
a falta de assunto é algo
próxima da clareza?
no texto “a visão do fundo do
poço”, louise bourgeois escreveu:
“não sei o suficiente para
falar”
é preciso saber para
escrever?
é possível aprender alguma
coisa ao escrever?
“é tão difícil aprender. o
que nos impede de aprender?”, escreveu a louise bourgeois.
em janeiro de 2015 eu pensei
nesses versos:
talvez vocês consigam
atravessar esse verão
mas poderão me perdoar pelo
meu fracasso?
no texto “a visão do fundo do
poço”, louise bourgeois escreveu:
“os outros não a julgam nem
mesmo sabem que você está aí”
janeiro de 2015 foi um mês
de teste de resistências
foi um mês que eu atravessei
e
não atravessei
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a júlia de souza é autora do livro covil (2013, 7letras)
a júlia de souza é paulistana e faz mestrado em literatura brasileira na usp.
a júlia de souza me mandou esse lindo poema no sábado
e eu gostaria de incluí-lo na série de conversas-com-o-teste-de-resistores
depois que eu li o poema da julia
eu fiquei pensando
e afinal qual é o assunto?
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